quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Vento Do Espírito














Senti passar um vento misterioso,
Num torvelinho cósmico e profundo.
E me levou nos braços; e ansioso
Eu fui; e vi o Espírito do Mundo.

Todas as cousas ermas, que irradiam
Como um nocturno olhar inconsciente,
Luz de lágrima extinta, não sentiam
A trágica rajada, que somente

Meu coração crispava! Ó vento aéreo!
Vento de Exaltação e Profecia!
Vento que sopra, em ondas de mistério,
E tanto me perturba e me extasia!

Estranho vento, em fúria, sem tocar
Nas mais tenrinha flor! E assim agita
Todo o meu ser, em chamas, a exalar
Luz de Deus, luz de amor, luz infinita!

Vento que só encontras resistência
Numa invisível sombra. . . Um arvoredo,
Ou bruta pedra, é como vaga essência;
E, para ti, eu sou como um penedo.

E na minha alma aflita, ó doido vento,
Bates, de noite; e um burburinho forte
A envolve, arrasta e leva, num momento;
E vai de vida em vida e morte em morte.

Vento que me levou, nem sei por onde;
Mas sei que fui; e, ao pé de mim, bem perto,
Vi, face a face, a névoa a arder que esconde
O fantasma de Deus, sobre o deserto!

E vi também a luz indefinida
Que, nas trevas, se fez, esclarecendo
Meu coração, que voa, além da vida,
O seu peso de lágrimas perdendo.

E aquele grande vento transtornou
Minha existência calma; e dor antiga
Meu rude e frágil corpo trespassou,
Como a chuva uns andrajos de mendiga.

E fui num grande vento; e fui; e vi:
Vi a Sombra de Deus. E, alvoroçado,
Deitei-me àquela sombra, e, em mim, senti
A terra em flor e o céu todo estrelado.



In: As sombras, Teixeira de Pascoaes

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

A Vida

Florbela Espanca, nasceu a 8 de Dezembro e decidiu morreu no mesmo dia. Poetisa grandiosa, genuína, a sua alma era grande demais para a época em que viveu. Um hino à eternidade com o seu poema "A Vida"...





É vão o amor, o ódio, ou o desdém; 
Inútil o desejo e o sentimento...
Lançar um grande amor aos pés d'alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!
Todos somos no mundo "Pedro Sem",
Uma alegria é feita dum tormento,
Um riso é sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo donde vem!
A mais nobre ilusão morre... desfaz-se...
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida...
Amar-te a vida inteira eu não podia...
A gente esquece sempre o bem dum dia.
Que queres, ó meu Amor, se é isto a Vida!...

Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade"

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Lusíada Paixão














Terra minha que tão cedo,
Te fizeste moça na aurora.
Das águas que te banham
E me fazem acreditar na tua Arte.
Dos cargueiros que te percorrem,
Levando o teu nome à eternidade.
A cor que me fez amar-te…
Pois já vai longe a mocidade,
D’ este desatino estético,
Profundo, leve e D’ Irmandade.
De quem diz o que pensa.
Ai! (…) Minha Terra quisera eu,
Amar-te para lá do Douro.
Destas gentes rebeldes,
Deste desatino de marca.
A tua identidade de moça
E mulher, que espera e acolhe.
Neste tecido escorregadio,
Que te marca…que te penetra.
Nesta pertença!
Quisera eu nunca abandonar-te!
No sentir que me beija à nascença.
Porque quem nela habita então:
Torna-se guerreiro e sincero!
Num disparo genuíno
De quem diz eternamente…
O que pensa!

©Cristina Gonçalves D' Camões (2014)

Imagem: Criação de André Gandra (Designer de Moda), que me colocou o desafio de escrever um poema tendo como inspiração o padrão do tecido


terça-feira, 22 de abril de 2014

(Re)escrevo

No silêncio do teu olhar

(Re)escrevo novas linhas,

De outras flores que caiem,

E não deixam saudade de Ti!

Do crepúsculo daqueles dias,

Esquecidos no devir da ilusão...

Porque as aves já não voam,

As flores não acordam,

O sol já não nasce para nós.

Ficaram na quimera

As promessas sentidas,

As certezas utópicas,

D’este amor tenebroso.

Que metamórfico seria...

- Não fora o esquecimento,

Daquilo que afinal Não Queria!
©Cristina Gonçalves D' Camões (2013)

segunda-feira, 31 de março de 2014

Dependência


 
 
 
 
 
 
 
 
Deambulando caminha

Para o desconhecido.

Coitado! Atordoado, cai!

Mergulhado na escuridão,

D’ entrega à substância.

Milagrosa, anestesiante.

Que lhe permite sair,

Estando no mesmo lugar,

Naquela cama gélida.

Naquelas roupas gastas

Pelo tempo esperado em vão.

Já deixou de esperar,

Já deixou de querer

Viver assim moribundo.

Só lhe resta desejar a morte,

Que o levará para lá de si.

Daquele corpo tóxico,

Dopado de ilusões.

Viver é um desequilíbrio…

Um acto de coragem latente.

Suplica que a dose seja

Aquela que… (finalmente)

O fará (re)nascer das cinzas!


 ©Cristina Gonçalves D' Camões (2014)

sexta-feira, 21 de março de 2014

Dia Mundial da Poesia 21 de Março

 

 

  

 

Elegia do Amor

Lembras-te, meu amor, 
Das tardes outonais, 
Em que íamos os dois, 
Sozinhos, passear, 
Para fora do povo 
Alegre e dos casais, 
Onde só Deus pudesse 
Ouvir-nos conversar? 
Tu levavas, na mão, 
Um lírio enamorado, 
E davas-me o teu braço; 
E eu, triste, meditava 
Na vida, em Deus, em ti... 
E, além, o sol doirado 
Morria, conhecendo 
A noite que deixava. 
Harmonias astrais 
Beijavam teus ouvidos; 
Um crepúsculo terno 
E doce diluía, 
Na sombra, o teu perfil 
E os montes doloridos... 
Erravam, pelo Azul, 
Canções do fim do dia. 
Canções que, de tão longe, 
O vento vagabundo 
Trazia, na memória... 
Assim o que partiu 
Em frágil caravela, 
E andou por todo o mundo, 
Traz, no seu coração, 
A imagem do que viu. 

Olhavas para mim, 
Às vezes, distraída, 
Como quem olha o mar, 
À tarde, dos rochedos... 
E eu ficava a sonhar, 
Qual névoa adormecida, 
Quando o vento também 
Dorme nos arvoredos. 
Olhavas para mim... 
Meu corpo rude e bruto 
Vibrava, como a onda 
A alar-se em nevoeiro. 
Olhavas, descuidada 
E triste... Ainda hoje escuto 
A música ideal 
Do teu olhar primeiro! 
Ouço bem tua voz, 
Vejo melhor teu rosto 
No silêncio sem fim, 
Na escuridão completa! 
Ouço-te em minha dor. 
Ouço-te em meu desgosto 
E na minha esperança 
Eterna de poeta! 
O sol morria, ao longe; 
E a sombra da tristeza 
Velava, com amor, 
Nossas doridas frontes. 
Hora em que a flor medita 
E a pedra chora e reza, 
E desmaiam de mágoa 
As cristalinas fontes. 
Hora santa e perfeita, 
Em que íamos, sozinhos, 
Felizes, através 
Da aldeia muda e calma, 

Mãos dadas, a sonhar, 
Ao longo dos caminhos... 
Tudo, em volta de nós, 
Tinha um aspecto de alma. 
Tudo era sentimento, 
Amor e piedade. 
A folha que tombava 
Era alma que subia... 
E, sob os nossos pés, 
A terra era saudade, 
A pedra comoção 
E o pó melancolia. 
Falavas duma estrela 
E deste bosque em flor; 
Dos ceguinhos sem pão, 
Dos pobres sem um manto. 
Em cada tua palavra, 
Havia etérea dor; 
Por isso, a tua voz 
Me impressionava tanto! 
E punha-me a cismar 
Que eras tão boa e pura, 
Que, muito em breve — sim! 
Te chamaria o céu! 
E soluçava, ao ver-te 
Alguma sombra escura, 
Na fronte, que o luar 
Cobria, como um véu. 
A tua palidez 
Que medo me causava! 
Teu corpo era tão fino 
E leve (oh meu desgosto!) 
Que eu tremia, ao sentir 
O vento que passava! 
Caía-me, na alma, 
A neve do teu rosto. 

Como eu ficava mudo 
E triste, sobre a terra! 
E uma vez, quando a noite 
amortalhava a aldeia, 
Tu gritaste, de susto, 
Olhando para a serra: 
— Que incêndio! — E eu, a rir, 
Disse-te — É a lua cheia!... 
E sorriste também 
Do teu engano. A lua 
Ergueu a branca fronte, 
Acima dos pinhais, 
Tão ébria de esplendor, 
Tão casta e irmã da tua, 
Que eu beijei sem querer, 
Seus raios virginais. 
E a lua, para nós, 
Os braços estendeu. 
Uniu-nos num abraço, 
Espiritual, profundo, 
E levou-nos assim, 
Com ela, até ao céu 
Mas, ai, tu não voltaste 
E eu regressei ao mundo. 

Teixeira de Pascoaes

In: Prosa e Poesia

segunda-feira, 3 de março de 2014

Contracapa





 As letras espalhadas marcam o sinal,

Das folhas esquecidas ou arrancadas.

Da capa e contracapa gélidas,

Do que fingi não ler afinal

Dos murmúrios da tua entrada

Triunfal! Diga-se… naquele túnel

Tenebroso…cheio de pedras

Que te marcaram os pés

De tanta tinta largada ao acaso

Deste livro que quero só para mim.


 ©Cristina Gonçalves D' Camões (2014)

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

TU













TU amor nas palavras q’ alentavas,
Poderosas ao acordar d’ Aurora,
Da estrela polar onde mora,
O canto lírico que amavas.

E eu, meu amor que no peito,
Senti tuas palavras num gemido,
Num murmúrio onde me deleito,
Que nunca antes houvera sentido!

Que nas nossas mãos se beijassem…
E na eternidade amor, se banhassem.
Os nossos corpos mágicos e a nu

Porque longe de ti mora a saudade,
Porque a quimera…agora verdade,
Porque neste sentir amor…apenas TU!


Cristina Gonçalves D' Camões (2014)


Imagem: Filme "O Espírito do Amor"

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Além de...


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ofuscada por ele...

No silêncio da noite!

Nos crepúsculos que enfatizam,

A sombra e o gemido.

Que naquela madrugada,

Invadiram o espaço daquele tecido,

Que cobriu subtilmente os corpos…

Daquele encontro que se fez carne!



Cristina Gonçalves D' Camões (2013)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Tornar-se Humano...


Ainda bem que errar é humano

Ainda bem que a imperfeição é humano

Ainda bem que voltar atrás é humano

Ainda bem que escrever para lá das linhas é humano

Ainda bem que a arte é uma produção humana

Ainda bem que a compaixão é humano

Ainda bem que crescer é humano

Ainda bem que Cristo se fez homem para ser humano

Ainda bem quer ter medo é humano

Ainda bem que a racionalidade e consciência são humanos

Ainda bem que a desilusão é humano

Ainda bem que arriscar é humano

Ainda bem que cair é humano

Ainda bem que tropeçar é humano

Ainda bem que não saber é humano

Ainda bem que a consciência de pensar é humano

 

 

domingo, 5 de janeiro de 2014

Palavras ao vento



“E de repente ali estava eu, arrepiada, trémula de emoção pelas palavras que ficaram por dizer e que talvez tenham morrido sem nunca ter visto a luz da aurora. Leva-me (pensei)…leva-me contigo deste marasmo, desta vida sem sal.
Em vão, afinal os pensamentos ainda não fazem eco nas outras mentes e ser-lhe-ia impossível adivinhar o meu desejo.
Em vão, afinal é tão difícil decifrar uma alma atordoada, esgotada pela amargura da vida (não vida… pensei novamente).
Os meus olhos ficaram imóveis vendo o seu desaparecimento no horizonte, deixei-me cair de joelhos no chão frio daquela calçada que eu conhecia tão bem. Sinto-me completamente molhada e rodando o corpo subitamente levanto-me assustada, agarro os lençóis com força insistindo em não acreditar que tudo foi um sonho. Subitamente ele levanta-se agarra-me e diz-me ao ouvido: “estou aqui, está tudo bem, tiveste um pesadelo”.

Nesse momento senti-me novamente em casa e deixei-me cair para trás e fui envolvida pelo seu abraço e voltei a adormecer…”


In: "Palavras ao vento"