sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Desalinho político-espirito-social

Andar desalinhado às vezes é necessário para conseguir entender o seu contrário.
Ser louco é isso mesmo, um desalinho da linha que toda a gente nos ensina a seguir religiosamente, sem falhar. Aprendemos desde cedo que as regras são para cumprir sem questionar, mas esquecemos que essas regras muitas vezes foram criadas por pessoas que entendem muito pouco da vida e que possivelmente entendem menos de regras do que nós.
Andar desalinhado ou sentir-se à margem do mundo actual infelizmente faz parte de uma grande maioria. Infelizmente porque é muito difícil viver deste modo, pois afasta as pessoas do dito “normal”, “aceitável” ou “previsto”. Ao longo dos tempos o humano foi sendo limitado socialmente pelas instituições que através de uma lavagem de mentes controlam as opiniões, as modas, os modos, os pensamentos, etc. A igreja desempenhou muito bem esse papel durante séculos, crucificando, queimando, limpando, todos aqueles que ousaram usar o seu pensamento crítico. O humano foi domesticado através do medo: do pecado, do julgamento final, do que há-de vir, mas nunca virá. Com o desenvolvimento económico a máquina controladora passou a ser o poder económico dos países industrializados. Agora criam-se doenças em laboratório, inventam-se motivos para começar uma guerra, colam-se rótulos de “crónico” a perturbações do foro psicológico para as quais existe tratamento, mas que os lóbis querem que sejam encaradas como doenças fatais e para toda a vida. Estou certa que do mesmo modo que agora achamos escandaloso a “lobotomia” como tratamento para uma doença do foro psicológico (passado meio século), daqui a algumas décadas vamos saber que é escandaloso o tratamento que se tem dado a pessoas perfeitamente equilibradas, mas que acabam num hospital psiquiátrico completamente domesticáveis e animalizadas com o olhar perdido no horizonte e sem expressão emocional.
Num mundo assim é melhor NÃO SER!
Não ser alinhado na norma, não adorar a igreja, mas sim o universo e a natureza, não subestimar a inteligência de quem sabe pensar. Não crer em tudo o que advém do catolicismo apostólico romano como uma lei, que condena a protecção contra doenças sexualmente transmissíveis, que reduz a relação sexual ao acto de procriar, de julgar a diferença de muitos, sem causa aparente.

Vivemos uma condição política de vazio, tal qual um horizonte sem sentido, a Europa actual está solidificada nos escombros de um conjunto de países que brincam à moeda única e fingem ter raízes nacionalistas e cultura própria. O caso adquire contornos mais graves quando falamos especificamente de Portugal: país do saudosismo, que cada vez mais se afasta da missão genuinamente nacional da descoberta de um caminho espiritual e do “modo de ser português”. 

Cristina Gonçalves D' Camões (2013)

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

(In)Verdade












Primórdios do caminho do amor..
Encontro dos trilhos do (Des)amor
Verdade incontestável a saber
Da mentira para esquecer

Quem mente deveras sente?
D'Alma tão claramente
Aquilo que não te quis contar
Aos ouvidos para te falar

Que quem ama  meu amor
Fica sem alma nem esplendor
Esdrúxulas as palavras então
Funestamente... mentirão!



Cristina Gonçalves D' Camões (2013)

terça-feira, 1 de outubro de 2013

A Menina Panteísta do Ser

O amor tem o poder de transformar ou destruir.

Tem o poder de nos alterar, de nos fazer pensar, sentir e agir de maneira diferente da que estamos habituados. Mas porquê?


Aquela menina deusa da natureza, das corridas pelo milho, dos grilos apanhados e soltos ao fim da tarde ( porque ninguém gosta de estar preso numa gaiola minúscula).
Andava ela pelo campo, tal qual justiceira da defesa dos animais, dos lagartos que subiam os muros, dos pássaros que por vezes caíam dos ninhos e que ela arriscava coloca-los junto da mãe, mesmo esfarrapando os joelhos quando descia das árvores.
Aquela menina encontra-se na natureza, era ali a sua casa, no meio das plantas, no monte, nos campos. Conversava com elas e todas a conheciam, veneravam-na quando ela passava sorrateiramente, para não assustar os pássaros e os gatos que se estendiam ao sol naquelas manhãs de primavera.
Aquela menina só queria ser livre de pensamento, só queria encontrar-se, só queria que o mundo fosse assim para sempre: perfeito!

Todos os dias eram dias de amoras, de uvas apanhadas sem ninguém ver, dos muros cavalgados sem parar, dos mistérios das cabanas largadas no meio do nada e que ela aproveitava para imaginar ser dona do mundo.


Nem ela sabia que a sua política era panteísta do ser, na imensidão da natureza e de Deus, perfeito, singelo, simples e profundo. Nada do que aprendia na escola e na igreja dos dogmas lhe fazia sentido. Esse Deus...da igreja ela não queria para companhia, o chato, o mau, o que elegia o pecado, o que julgava as pessoas, o que denunciava os meninos que roubavam as uvas para comer, o que deixava crianças morrerem de fome, o que deixava existir a injustiça no mundo, o que não existia quando os meninos não tinham livros na escola. Não! Ela não conseguia gostar de um Deus que só existia para alguns. Foi então que descobriu que Deus é e está na natureza, nos animais e dentro de cada um dos seres que compõem o mundo real e imaginário. Ela adorava cantar os sentimentos, cantar as plantas, cantar os trilhos abertos de tanto passar, de cantar os seus amigos animais que a entendiam, que a faziam sentir-se amada.  Ela escrevia, sentia o mundo tal como ele era, verdadeiro? A verdade do sentir era a  sua linguagem e nunca a deixara ficar mal, pois desde muito cedo descobriu que a essência das coisas está no sentir, na poesia, nas palavras, na música e no pensamento. 


Cristina Gonçalves D' Camões (2013)

domingo, 22 de setembro de 2013

Sincronicidade


Sou o espelho que refletes em mim.

A madrugada que te viu nascer

Naquelas pedras de jasmim

Onde sentamos sem querer

 

Encontro-me no crepúsculo

Do farol daquela praia

Escondida nas dunas silvestres

Não escolhi esta madrugada

 Inesperada...Deveras sentida

Em ti...Por ti meu Amor

Das gélidas noites outrora

Agora fortes e sentidas

 

 Cristina Gonçalves D' Camões


 

quinta-feira, 25 de julho de 2013

O Bailado


"Ser poeta, eis aí o meu destino, desde aquela tarde remota, a esvair-se entre fantasmas de pinheiros...
Alguns ainda existe, doirados ainda, como eu, dos últimos clarões desse crepúsculo, e mais poetas do que eu...
Só os mochos sabem recitar, em voz alta, aquela profunda e íntima elegia que eles murmuram no silêncio da noite e é o próprio silêncio elevado à afinação musical de melancolia, da sombra e do luar...
E existe ainda a velha árvore junto da qual recebi a bênção das Musas...
Uma névoa triste que se meteu em mim, uma visão que me turva os olhos espantados, uma ternura dolorida que me embrandece e dilui nas cousas que me cercam, um ímpeto fugitivo para as alturas, uma sensibilidade que vibra ao menor contacto..."


In: O Bailado, Teixeira de Pascoaes

terça-feira, 9 de julho de 2013

Ingenuidade ∞










Impossível silenciar esta sinfonia
Que criaste só para mim
Naquele banco do jardim
Quem sabe a utopia
Que quisera escrever
Nestas linhas sem rumo
Sem alcance
Sem tinta…sem cor
Do silêncio espero
Do silêncio anseio
Porque quero
Porque vivo em ti
Porque no suspiro
Dos segredos
Silenciados…eu sei!
Num murmúrio d’encanto
Num desatino sem norte
Numa vida d’espasmos
Na noite que quisera
Silenciar o impossível
Percorrer o nirvana
Numa ingénua ideia
D’alcançar o Tibete
Pois é no silêncio
Que tudo acontece!
Pois é no silêncio…
Que se nasce
E se morre
Pois é no silêncio
Que nos encontramos...
No infinito

Cristina Gonçalves D' Camões

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Boaventura

Partiste cedo demais
Mas deixaste uma parte de ti
Quisera o destino levar-te
Num barco submerso
Num degredo…ondulante
Tenebroso…gélido
Não pediste para ir
Ao encontro da noite escura
Quem quisera ver-te partir
Num braço d’anjo eterno?
A tua Alma era grande demais
Artista e profunda num cais
Para ficar neste marasmo do inferno


Dedicado a: Boaven(Tura)


Cristina Gonçalves D' Camões (2013)

terça-feira, 30 de abril de 2013

Psicografia(auto)


Poderia autopsicografarme*

Tal como o mestre fez

E dizer-te que o poeta

É um fingidor

Mas digo-te que os

Ainda aprendizes

Nem sempre o são

 

E assim neste engano

Nesta eterna ficção

Fica apenas e só

O fingir que é dor!


Cristina Gonçalves D' Camões (2013)

 
* Autopsicografia: poema de Fernando Pessoa pag. 241

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Paraíso Sombrio















Pequenos e hipócritas

Grandes de rancor

Pequenos de cultura

D’alma limitada

Comprada

Falsa modéstia

Desta sociedade

Corruptível

Invejosa

Atrasada

Grande de futilidade

Das marcas e marcos

Dos estranhos

De si mesmos

Longe de tudo

O que não dá lucro

Vendendo a alma

Das aparências

Das imagens

Do parecer

E nada ser

Dos nomes

Das famílias

Frias, horríveis

Plásticas…

D’almas sombrias

 

Cristina Gonçalves D' Camões (2012)

domingo, 21 de abril de 2013

Arte Poética

"A poesia não me pede propriamente uma especialização pois a sua arte é uma arte do ser. Também não é tempo ou trabalho o que a poesia me pede.

Nem me pede uma ciência nem uma estética nem uma teoria. Pede-me antes a inteireza do meu ser, uma consciência mais funda do que a minha inteligência, uma fidelidade mais pura do que aquela que eu posso controlar.
Pede-me uma intransigência sem lacuna. Pede-me um arranque da minha vida que se quebra, gasta, corrompe e dilui uma túnica sem costura. Pede-me que viva atenta como uma antena, pede-me que viva sempre, que nunca me esqueça. Pede-me obstinação sem tréguas, densa e compacta.
Pois a poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com as coisas, a minha participação no real, o meu encontro com as vozes e as imagens. Por isso o poema não fala de uma vida ideal mas sim de uma vida concreta: ângulo da janela, ressonância das ruas, das cidades e dos quartos, sombra dos muros, aparição dos rostos, silêncio, distância e brilho das estrelas, respiração da noite, perfume da tília e do orégão.
É esta relação com o universo que define o poema como poema, como obra de criação poética. (…) O equilíbrio das palavras entre si é o equilíbrio dos momentos entre si
E no quadro sensível do poema vejo para onde vou, reconheço o meu caminho, o meu reino, a minha vida.”

Sophia de Mello Breyner Andresen
Arte poética II – In: Obra poética, pg. 837/838