quarta-feira, 15 de junho de 2011

Teoria do Amor - Platão


Nenhum dos deuses filosofa, ou deseja ser sábio porque o é já; e em geral, quando se é sábio, não se filosofa; os ignorantes também não filosofam nem desejam tornar-se sábios, porque o mal da ignorância reside precisamente em que, não tendo nem beleza, nem bondade, nem ciência, se julga sempre que se possui o suficiente.



Ora, quando se não tem a convicção de que falta alguma coisa, também não existe o desejo dela.
Então perguntei eu:
Quais são nesse caso, Diotima, os que se filosofam, visto que não são nem sábios nem ignorantes?
- Mesmo uma criança, respondeu ela, perceberia que filosofam os que estão como que no meio, pertencendo o Amor a este grupo.
Com efeito, tem que se incluir a Ciência entre as coisas mais belas; ora o Amor é o amor das coisas belas: é forçoso, portanto, que o Amor seja filosófico e, visto ser filosófico, que esteja entre o ignorante e o sábio; a causa disto encontra-se na sua origem, visto ser filho dum pai sabedor e engenhoso e de uma mãe ignorante e simplória. Eis, pois, amigo Sócrates, qual é a natureza deste demónio. Quanto à ideia que tinhas do Amor, não lhe encontro nada de espantoso: pelo que posso concluir das tuas palavras, imaginas tu que o Amor é o objecto amado e não o amador; é esta, creio eu, a razão que te levava a imagina-lo tão belo; de facto, aquilo que se pode amar é o que é realmente belo, delicado, perfeito, bem-aventurado, mas aquele que ama tem características diferentes e que são aquelas que expus agora mesmo.
(…) Sabes que a palavra poesia que dizer muita coisa; a significação mais larga de poesia é a de causa que faz passar qualquer coisa do não ser à existência, de modo que uma criação, em qualquer arte, é sempre uma poesia, e que os artistas que as fazem são sempre poetas.
- É verdade.
O desejo do bem e da felicidade, sobre todas as formas, eis aí, no seu sentido Universal, “o grande e engenhoso Amor”. Mas há várias maneiras de cultivar o Amor e ninguém diz que amam e são amantes aqueles que buscam o dinheiro, a ginástica ou a filosofia; mas há uma espécie de amor a cujos adeptos e seguidores se dá o nome de todo o género: amor, amar, amante.
(…)
Diz-se muitas vezes, que amar não é procurar nem a metade, nem o todo de si próprio, se essa metade e esse todo não forem bons.
(…)
Quando alguém se eleva das coisas sensíveis, por um amor bem entendido dos jovens, até essa beleza, quando alguém começa a enxerga-la, pode dizer-se que está perto de atingir, o verdadeiro caminho do amor, quer se entre nele espontaneamente ou para ele se seja conduzido, consiste em partir das belezas sensíveis e em subir incessantemente para essa beleza sobrenatural passando, como de degrau em degrau, dum corpo belo a dois, de dois a todos, depois dos belos corpos às belas acções, depois das belas acções às belas ciências, para finalmente ir das ciências à ciência que não é outra coisa senão a ciência da beleza absoluta e para conhecer, enfim, o belo tal qual ele é em si.”

In: Platão, Teoria do Amor – diálogo sobre a natureza do bem e do belo
Trad. Agostinho da Silva, Ed. Padrões Culturais Editora, 2010

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