terça-feira, 30 de abril de 2013

Psicografia(auto)


Poderia autopsicografarme*

Tal como o mestre fez

E dizer-te que o poeta

É um fingidor

Mas digo-te que os

Ainda aprendizes

Nem sempre o são

 

E assim neste engano

Nesta eterna ficção

Fica apenas e só

O fingir que é dor!


Cristina Gonçalves D' Camões (2013)

 
* Autopsicografia: poema de Fernando Pessoa pag. 241

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Paraíso Sombrio















Pequenos e hipócritas

Grandes de rancor

Pequenos de cultura

D’alma limitada

Comprada

Falsa modéstia

Desta sociedade

Corruptível

Invejosa

Atrasada

Grande de futilidade

Das marcas e marcos

Dos estranhos

De si mesmos

Longe de tudo

O que não dá lucro

Vendendo a alma

Das aparências

Das imagens

Do parecer

E nada ser

Dos nomes

Das famílias

Frias, horríveis

Plásticas…

D’almas sombrias

 

Cristina Gonçalves D' Camões (2012)

domingo, 21 de abril de 2013

Arte Poética

"A poesia não me pede propriamente uma especialização pois a sua arte é uma arte do ser. Também não é tempo ou trabalho o que a poesia me pede.

Nem me pede uma ciência nem uma estética nem uma teoria. Pede-me antes a inteireza do meu ser, uma consciência mais funda do que a minha inteligência, uma fidelidade mais pura do que aquela que eu posso controlar.
Pede-me uma intransigência sem lacuna. Pede-me um arranque da minha vida que se quebra, gasta, corrompe e dilui uma túnica sem costura. Pede-me que viva atenta como uma antena, pede-me que viva sempre, que nunca me esqueça. Pede-me obstinação sem tréguas, densa e compacta.
Pois a poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com as coisas, a minha participação no real, o meu encontro com as vozes e as imagens. Por isso o poema não fala de uma vida ideal mas sim de uma vida concreta: ângulo da janela, ressonância das ruas, das cidades e dos quartos, sombra dos muros, aparição dos rostos, silêncio, distância e brilho das estrelas, respiração da noite, perfume da tília e do orégão.
É esta relação com o universo que define o poema como poema, como obra de criação poética. (…) O equilíbrio das palavras entre si é o equilíbrio dos momentos entre si
E no quadro sensível do poema vejo para onde vou, reconheço o meu caminho, o meu reino, a minha vida.”

Sophia de Mello Breyner Andresen
Arte poética II – In: Obra poética, pg. 837/838